Destino Manguinhos
Muitas histórias se cruzam numa biblioteca. Os quilômetros percorridos pelos alunos que frequentam as oficinas do projeto Regiões Narrativas vão resultar em mais que longas caminhadas. Na última fase, eles contam suas experiências no trajeto até Manguinhos.
Samuel Monteiro da Silva tem 67 anos, dois filhos, nasceu em Maria da Graça e mora na Vila Maria, em Higienópolis. Irani Vitória Santana Lourenço tem 70 anos, mora na Tijuca e faz artesanato de tudo que ela vê pela frente. Priscila Ferreira Bento tem 26 anos, nasceu na Vila da Penha, mudou para Higienópolis há quatro anos, é professora normalista e estuda Educação Artística na UFRJ. Adenildo Vasconcelos tem 51 anos, é biólogo, trabalha com educação a distância, nasceu em Manguinhos e diz que ainda tem muito a fazer pela comunidade. Leonardo Vinícius Nogueira Ribeiro tem 19 anos, está no último ano do ensino médio, mora em Manguinhos e está sempre atrás de um livro novo na Biblioteca Parque.
Desde agosto de 2011, as visitas de Leonardo à Biblioteca Parque de Manguinhos ficaram mais assíduas. É lá que ele encontra Irani, Samuel, Priscila, Adenildo e os mais de vinte alunos do projeto Regiões Narrativas, idealizado e coordenado por O Instituto. É lá que eles estão aprendendo as muitas formas possíveis de contar uma história.O próprio percurso de cada um até a biblioteca pode virar um vídeo, um game, uma animação, um remix. Eles aprendem a fazer com os professores, mas ganham, a cada aula, mais autonomia.
“Todas as oficinas são boas e estão interligadas”, diz Samuel, que é gráfico e faz cartão, folheto e brinde, até livro, o que o cliente pede. Mas do que ele gosta mesmo é de movimento. “Tudo é bom, mas a minha curiosidade era saber como se faz um filme de animação, e não pensei duas vezes antes de me inscrever”, ele conta. E garante que a curiosidade está satisfeita. Samuel percorre um quilômetro, todo sábado, para chegar ate a Biblioteca Parque. Nunca faltou a nenhuma aula.
O percurso de Irani é mais longo. São quase dez quilômetros desde a Tijuca que ela percorre animada. “Achei que eram muitos bites para a minha cabeça, mas resolvi participar para saber o que segura a garotada em frente ao computador. Agora eu já sei”, ela garante. Irani é aposentada mas não para. Trabalha com adolescentes e vive entre bandas e fanfarras, escreve crônicas, está quase lançando um blog. De um lado para outro, ela carrega os sonhos. Quer criar uma banda.
Priscila é professora normalista e por natureza, como ela diz. Foi estagiária e agora é auxiliar de bibliotecária. Casada e com uma filha, não faz a soma de quanto anda para dar conta do trabalho e da faculdade. Mas consegue fazer tudo. Até poema. “Com o (Regiões) Narrativas, eu precisava escrever sobre a região, e nunca tinha escrito nada, fiquei quase em pânico, mas saiu”, ela conta, orgulhosa do próprio esforço. De tanto circular pela região, Priscila perdeu o medo. E quer usar o que aprende, ali mesmo. Só falta terminar a faculdade e receber o diploma, o que ela vai fazer em dezembro de 2012. Já está marcado.
Adenildo não anda muito. Nascido e criado em Manguinhos, ele é figura fácil na Biblioteca Parque. Em uma das voltas, ele soube do Regiões Narrativas. Até aqui, ele conta, narrar tinha a ver com texto.
“Aprendi que há várias mídias, várias plataformas, um jogo é um tipo de narrativa. Ninguém sai daqui como entra. Se eu estou aprendendo, minha visão já muda, porque tem o impacto desse novo conhecimento. A gente está aprendendo a construir narrativas e descobrindo um jeito de tornar o caminho até aqui mais dinãmico, mais atraente, mais bonito, e isso pode ser através de um texto, um vídeo, um filme”, ele diz. Adenildo agora enxerga o mundo em versão remix.
Leonardo não está muito preocupado com datas. Desde que leu A Descoberta do Mundo, de Clarice Lispector, pensa em livros e no que há além de Manguinhos. Quer conhecer mais o Rio de Janeiro, fazer faculdade de Música ou Engenharia Mecânica ou Designer Gráfico. Podem ser as três. “O Regiões (Narrativas) me ajudou a aprimorar meu conhecimento de computador e de software, minha rotina era só internet, violão e videogame”, ele conta. E garante que está com a mente mais aberta e os olhos mais voltados para o mundo, que ele também quer descobrir.