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A importância de Carolina Maria de Jesus para a cultura brasileira

maio
2025

Por Maria Clara Salvador.

Carolina Maria de Jesus ocupa um lugar singular e fundamental na história da literatura brasileira. Sua obra, especialmente Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, transcende o caráter íntimo e pessoal do diário como gênero literário, transformando-se em um documento histórico, político e filosófico sobre a vida nas margens da sociedade brasileira.

Por meio de sua escrita, Carolina não apenas registra sua experiência como mulher negra, catadora de papel e mãe solo em uma favela paulistana dos anos 1950, como também denuncia com contundência a ausência do Estado, o racismo estrutural e a violência cotidiana que atravessa os corpos e as vidas da população periférica. Sua obra revela os impactos da fome, da miséria e da exclusão, mas também expõe sua inquietude intelectual, seu desejo incontrolável de escrever e sua capacidade de elaborar pensamentos poéticos e filosóficos em meio à adversidade.

Carolina rompe com o silenciamento imposto às mulheres negras na tradição literária e filosófica, ocupando um espaço historicamente negado a elas. Ao transformar sua vivência em escrita, ela reivindica o direito à palavra e ao pensamento, desafiando os critérios excludentes da produção de conhecimento que por muito tempo marginalizaram vozes como a sua. Sua literatura nasce das margens sociais, mas ecoa no centro do debate sobre identidade, desigualdade e resistência.

Além disso, a autora desestabiliza o mito da democracia racial ao criticar, de forma direta, os governantes e a estrutura social que invisibiliza a população negra e favelada. Ela contesta o discurso de harmonia racial e evidencia, em seus relatos, as marcas da desigualdade e da opressão. Ao fazer isso, sua escrita se inscreve como um ato político potente, que não apenas narra a realidade, mas a confronta.

Mesmo com contradições e tensões presentes em seus julgamentos sobre os papéis de gênero, a obra de Carolina nos oferece uma visão complexa e realista das relações humanas na favela. Suas descrições de violência de gênero, sua crítica às figuras masculinas e seu olhar, por vezes severo, sobre as mulheres, refletem tanto os estereótipos internalizados quanto às estratégias de sobrevivência num contexto profundamente desigual.

Em homenagem à sua trajetória e influência, a Festa Literária das Periferias (FLUP), projeto do qual o Instituto 215 foi parceiro realizador, lançou, entre abril e maio de de 2020, um processo formativo aberto e dedicado apenas a escritoras negras, com o ciclo “Uma Revolução Chamada Carolina”. A série teve como objetivo debater a importância da escritora e incentivar mulheres negras de todo o país a reescreverem Quarto de Despejo a partir de suas próprias vivências. O resultado dessa potente mobilização – que teve de ser virtual, por conta da pandemia do vírus da Covid 19 – foi uma obra coletiva publicada no início de 2021, reafirmando o impacto duradouro de Carolina Maria de Jesus e sua capacidade de inspirar novas gerações de escritoras.

Livro CAROLINAS juntou 180 novas autoras

O legado de Carolina Maria de Jesus reside, portanto, na força transformadora de sua escrita. Ela provou que é possível filosofar a partir da experiência vivida, que é possível produzir literatura a partir do cotidiano e que, mesmo diante da fome, a palavra pode ser uma forma de resistência. Sua contribuição à cultura brasileira é imensa: Carolina abriu caminhos para que outras vozes negras, femininas e periféricas pudessem ser ouvidas e reconhecidas como parte essencial do nosso imaginário literário e social.

Ilustração de Thais Linhares/ Flup 2020
O livro “Carolinas” é uma edição da Bazar do Tempo
Carolinas – A nova geração de escritoras negras brasileiras