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Softwares são ideologia da sociedade contemporânea

dez
2011

Por Pedro Eler

“Os softwares estão cada vez mais em todas as partes, presentes nos mais diferentes espaços e mecanismos da vida social”, alertou o pesquisador Cícero Silva, em reunião do Pós-Doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, na qual apresentou a pesquisa que realiza na Universidade da Califórnia, no contexto dos Estudos Culturais Contemporâneos do Software, ou, simplesmente, software studies.

Cícero Silva é pesquisador de cultura e arte digital, atualmente é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Software Studies no Brasil (grupo de pesquisa sediado na Universidade da Califórnia em San Diego)

Um bom exemplo dessa crescente presença é a invasão dos softwares nos aparelhos celulares – que cada vez contam com mais programas que possibilitam uma variedade enorme de interações – o que atua na transformação das formas de sociabilidade tradicionais. O Facebook, assim como o Orkut e o Twitter, são outros bons exemplos. Embora atuem de formas diferentes, todos alteram a maneira como as pessoas se sociabilizam, interagem e, ultimamente, constroem relações afetivas, podendo, inclusive, gerar novas terminologias e/ou mudar o sentido de palavras. “Notem, por exemplo, como esses programas utilizam-se da palavra amigo”, disse Cícero Silva, “você adiciona alguém como amigo sem que isso seja necessariamente verdadeiro. O que está acontecendo é uma ressignificação desse termo”.

Num nível mais infra-estrutural, o pesquisador lembrou que “todo o funcionamento das grandes cidades é regido por softwares”. Sinais de tráfego, telefonia, controle aéreo, administração do estoque de grandes lojas e supermercados, análises climáticas, são diversos os exemplos que evidenciam em que medida nossa vida prática já é tomada pela utilização de softwares. Entretanto, citando Lev Manovich, um dos mais reconhecidos pesquisadores de software studies da atualidade, segundo o qual “o software é o motor da sociedade contemporânea”, Cícero Silva explicou que os Estudos Culturais e Contemporâneos do Software pretendem mostrar que esse motor não atua somente nas áreas práticas da vida, mas que produz efeitos culturais. Nesse sentido, não devem ser vistos apenas como uma área do domínio da ciência da computação ou da engenharia, mas como um campo de interesse das ciências humanas e culturais.

É nesse sentido que, visando ir além das indagações sobre como as novas tecnologias afetam as práticas do cotidiano, os software studies investigam o impacto da cultura computacional sobre toda a produção cultural na sociedade contemporânea, discutindo suas implicações sociais e políticas.

Fazendo uma síntese da história dos software studies, o palestrante apresentou o trabalho de pesquisadores como Friederich Kittler, Mathew Fuller, Lev Manovich e Noah Wardrip-Fruin. Este último realizou um estudo sobre o impacto dos softwares nas narrativas atuais, através da análise de jogos como The Sims – cujos algoritmos de programação foram criados por cientistas sociais – e Façade, a partir do qual formulou o conceito de narrativa procedural, um gênero de narrativa virtual no qual o jogador atua dentro de possibilidades narrativas pré-estabelecidas, mas podendo moldar a história através de relações de interatividade.

Avançando no tema da narrativa dos jogos e seus impactos, Cícero Silva comparou os anteriores com os vast games, ou jogos de narrativa vasta, onde esta é totalmente desenvolvida a partir da atuação dos jogadores, sem que haja tantos limites pré-existentes ao desenvolvimento da história (às vezes até sem que haja uma história, como no caso de softwares como Second Life). Segundo o pesquisador, estes tipos de games têm grande impacto na construção das narrativas da atualidade configurando-se como uma das maiores influências culturais dos softwares.

Do ponto de vista político, Cícero Silva aponta para a centralidade do problema do uso de softwares de open source no Brasil. Segundo contatou, os softwares fechados (como Windows ou Microsoft Office, por exemplo) são amplamente utilizados na maior parte das instituições de ensino público do país. “Os proprietários desses softwares fechados têm controle sobre todo conteúdo que é produzido neles, uma vez que só as empreses sabem seus códigos operacionais”, alertou. Para o pesquisador, isso representa um grande perigo, na medida em que significa que pesquisas desenvolvidas em universidades brasileiras dependem da Microsoft para serem acessadas. Desse modo, se daqui a 15 anos a Microsoft fechar, todo esse conteúdo poderá se tornar inacessível.

Ao final, Cícero Silva apresentou alguns dos principais projetos que estão sendo desenvolvidas na Universidade da Califórnia, utilizando softwares e hardwares superpotentes na análise de produtos culturais e defendeu sua relevância no campo de uma política do conhecimento. Um desses projetos analisa as fotos do Flickr (um site de armazenamento de fotos) através de um supercomputador e um software avançado. Foram processadas milhões de fotos buscando por características comuns no que se refere à predominância de cor, de gênero, e de angulações da foto. Segundo o palestrante, esses são novos instrumentos de visualização e interpretação da produção cultural e do comportamento social, numa dimensão macro, impossível de ser alcançada antes das novas tecnologias da computação.

Para saber mais sobre a pesquisa de Cícero Silva, acesse www.softwarestudies.com.br.