As religiões de matriz africana nos convidam a pensar a relação com o clima
Por Maria Clara Salvador.
Todos os anos falamos sobre a importância de repensar nossas ações para com o meio ambiente e sobre os efeitos das mudanças climáticas. Os ambientalistas alertam, ativistas propõem cartas de recomendações e coletam assinaturas, a sociedade civil tenta responsabilizar os parlamentares. No entanto, estas maneiras de incidir politicamente têm se tornado insuficientes para sensibilizar e provocar um compromisso verdadeiro nos espaços de tomada de decisão.
A realidade é que as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. Para reverter este quadro é preciso agir com urgência contra a crise climática, buscando o engajamento de toda a sociedade na construção de novos paradigmas políticos.
Gostaria de propor que sejam considerados novos caminhos a partir dos ensinamentos das religiões de matriz africanas, pois os terreiros tem um olhar que nos provoca a sensibilidade para uma outra relação com a natureza. Os orixás, para os povos de terreiro, são como nossa mãe, nossa casa, nosso mundo, nosso cosmos, nosso ser. Quem pratica as religiões de matriz africana observa que o respeito incondicional à natureza é uma maneira de exercer fé junto aos orixás.
Os orixás são forças representadas por meio dos vários elementos naturais, como o ar que respiramos, a beleza e fúria dos mares e dos rios, cachoeiras, matas, manguezais, arco-íris, entre outros elementos que fazem parte do ciclo da vida. Quem cultua os orixás se sente abençoado quando se depara com situações em que estejam presentes alguns desses elementos. Existe uma reverência aos orixás, responsáveis por todo ecossistema existente no mundo.
A forma como faremos política, daqui para frente, precisa ser pautada no respeito à natureza, da mesma forma como é para quem cultua os orixás. Nas religiões afro brasileiras existe um compromisso ancestral de defender e cuidar do que é comum a todos, como os bens naturais. Esse tem sido um dos principais desafios brasileiros durante cinco séculos de guerra de dominação e homogeneização contra a população negra e indigena, pois toda a diversidade na maneira de pensar a política do clima não está representada em sua totalidade nos espaços de tomada de decisão. Em consequência desse apagamento, existe hoje uma violência para com as populações de terreiro: no ano de 2022, o Ministério dos Direitos Humanos registrou 1.200 ataques a terreiros, um aumento de 45% em relação a 2020
Neste contexto, os terreiros se tornaram não apenas um espaço de culto e espiritualidade, mas também um espaço de resistência que mobiliza e possibilita diversas formas de produção de conhecimento. Isto somado à necessidade de reconhecer toda a contribuição econômica, cultural e de preservação ambiental que as religiões de matriz africana produziram no contexto histórico brasileiro. O legado das religiões afro-brasileiras se contrapõe às diferentes visões expressas numa sociedade industrializada, consumista e exploradora dos recursos naturais. Atualmente, cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa são produzidas por indústrias, empresas, queimadas de vastas extensões de florestas e densos congestionamentos rodoviários.
Todas essas ações são causadoras de mais vulnerabilidade climática e contribuem para ciclos de violência que provocam um distanciamento do compromisso de defender e cuidar dos elementos da natureza, estabelecido por pessoas de terreiro. Torna-se necessário construir um projeto de Brasil que tenha como objetivo principal o combate à intolerância, ao racismo religioso. Promovendo espaços de coletividade nos quais as pessoas de religião de matriz africana se sintam acolhidas e possam contribuir de maneira efetiva para um horizonte mais plural e diverso na construção de políticas climáticas.
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Nota da autora: Este texto resultou da participação da minha participação no curso “Boto Fé no Clima”, uma iniciativa do ISER – Instituto de Estudos da Religião que articula conhecimentos acerca da crise climática, da conexão entre fé e meio ambiente, comunicação e mobilização para o enfrentamento à emergência climática.
Meus agradecimentos aos professores do curso, em especial a Andréia Coutinho Louback que me lembra sempre da importância da escrita como maneira de reinventar o imaginário social.
Foto da capa: Kita Pedroza
Maria Clara Salvador é co-fundadora da Coalizão O Clima é de Mudança, Assessora do Instituto 215, pesquisadora, escritora e mobiliza pessoas na conscientização do Racismo Ambiental.
Referencia bibliografica:
https://www.politize.com.br/religioes-de-matriz-africana/