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Filme documenta racismo ambiental na Baixada Fluminense

jun
2023

Por Kita Pedroza e Teresa Guilhon.

Ano após ano, moradores da Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, sofrem as consequências desastrosas de enchentes, queimadas, poluição no ar e na terra. Não são acasos. São tragédias ambientais previsíveis que acontecem em lugares onde é recorrente a falta de investimento público em infraestrutura urbana e ações humanas irresponsáveis. As soluções são conhecidas. Situações evitáveis. Isso é racismo ambiental.

Nesta segunda matéria da série ‘Justiça climática: pontos de vista’, conversamos com Fabrícia Stercia, Lennon Medeiros e Maria Clara Salvador, sobre a experiência da realização do documentário Como sobreviver ao racismo ambiental. Moradores da Baixada Fluminense, eles fizeram parte da equipe do filme – na direção, concepção e pesquisa -, que registra os graves impactos do desequilíbrio ambiental na vida de residentes dessa região. Produzido pela Visão Coop, o filme conta com a apresentação de Juliana Coutinho e outros profissionais (ver @comosobreviver__).

Um piloto do documentário foi apresentado na abertura do Fórum Rio, dia 2 de junho e, após a finalização, há planos de exibição em outros circuitos, incluindo a internet. Evento realizado anualmente pela Casa Fluminense e parceiros, o Fórum Rio discutiu, na edição de 2023, o tema ‘Clima é coisa séria’, em 02 e 03 de junho, no município de Queimados.

Jovens universitários ou já formados – em áreas que abrangem jornalismo, ciências sociais, letras e filosofia -, Fabrícia, Lennon e Maria Clara atuam de forma coletiva, na Visão Coop, laboratório cooperativo que usa ciência e tecnologia em prol de soluções ambientais. Nesse contexto, em que atuar pela defesa ambiental é questão de sobrevivência imediata, eles levaram o próprio cotidiano de vida para as telas. Ao agregar dados científicos aos saberes locais para propor ações e formas de mitigar efeitos devastadores, o filme aproxima a audiência da urgência da problemática ambiental e climática por meio da arte.

 

Equipe do documentário e integrantes do Instituto EAE na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu: alerta para o perigo das queimadas. Foto: Arrabella IMG

Segundo Lennon, coordenador de tecnologia na Visão Coop, Queimados, Itaguaí, Nova Iguaçu e Duque de Caxias têm necessidade de mudanças urgentes de infra estrutura ambiental. Esses são os lugares onde o documentário se concentra. “No filme, a gente documenta isso: queremos contar sobre pessoas, sobre sobreviventes, e como lidam pra adaptar essas regiões ao racismo ambiental”, conta Lennon. No bairro de Santa Rosa, em Queimados, por exemplo, há dez anos famílias perdem tudo o que têm nas enchentes. Ele lembra do caso de uma senhora que guarda seus pertences em cima de cadeiras de plástico. “Ela tem crise de ansiedade, pressão alta e doenças de pele. Sente na pele as mudanças climáticas, o que é diminuir o intervalo entre uma chuva e outra”.

Indústrias pesadas, instaladas em cidades como Itaguaí e Duque de Caxias, também são gravemente poluentes. Nesse sentido, Maria Clara, coordenadora de pesquisa do filme, compara os lugares onde essas empresas decidem atuar a “zonas de sacrifício”, ou seja, lugares escolhidos para serem sacrificados pela carga de poluição que será despejada no meio ambiente. Ela lembra a semelhança desses casos com os projetos coloniais: impérios coloniais colocavam as suas empresas [poluentes] em lugares considerados subalternos e esses lugares as colocam em outras localidades ainda mais vulneráveis dentro da mesma região”. E complementa: “Pensar em tecnologia verde tem que ser com os moradores, por isso o trabalho do filme é tão importante, porque a gente senta e conversa com os moradores. A gente disputa o conceito de tecnologia verde e fala: isso aqui pertence aos moradores”.

Com recursos do Edital Fundo Casa 2022 e de financiamento coletivo, Como sobreviver foi inteiramente filmado na Baixada e evidencia essa realidade de sérias consequências decorrentes de problemas ambientais cotidianos enfrentados, há décadas, sobretudo por populações mais pobres e vulneráveis. Se os impactos cruéis de situações como enchentes e doenças crônicas já se tornaram seus velhos conhecidos, as causas dessas agressões ao direito de ter uma vida digna estiveram, quase sempre, bem distantes do seu controle. E são essas circunstâncias que o filme, como parte dessa ação coletiva, pretende mudar.

Como contrapartida para os lugares onde mapearam agressões ao meio ambiente e aos direitos dos moradores, oferecem apoio em forma de tecnologia, além de valorizar os saberes que existem nas comunidades e contribuir para capacitá-los. “Em Queimados, vamos implementar um robô pra monitorar enchente; em Itaguaí, um robô pra monitoramento de qualidade do ar e, em Nova Iguaçu, o mesmo pra quantidade de queimadas e calor”, diz Lennon.

Diretora do filme e co-fundadora da Visão Coop, Fabrícia complementa: “A Visão Coop havia concebido o Núcleo de Defesa Ambiental, um núcleo de ação emergencial em meio às mudanças climáticas que atingem nossas periferias. Estávamos pensando em possíveis mitigações coletivas para diminuir esses impactos, o que resultou no Projeto Avatar, que consistia no monitoramento de desastres climáticos a partir dos 4 elementos: água, fogo, terra e ar”. Essas ideias impulsionaram pesquisas e deram origem ao filme, dividido em capítulos que abordam estes elementos.

A Visão Coop integra a Coalizão O Clima É de Mudança, em conjunto com a Agenda Realengo 2030, o DataLabe, o LabJaca e a Plataforma CIPÓ. Participaram da Cop27, no Egito, e planejam novas ações integradas.

Racismo ambiental

Para chegar mais perto desse cotidiano vivido na Baixada, precisamos reconhecer que, não por acaso, lugares com forte presença da população negra, não raro vivendo em condições indignas de vida, ou em situação de vulnerabilidade social, como indígenas e quilombolas, são os mais atingidos por desastres ambientais recorrentes. Ou melhor, por crimes ambientais causados por ações humanas irresponsáveis.

“O filme nasce dessa construção, um registro de como o racismo ambiental atravessa a Baixada Fluminense através de enchentes, queimadas, contaminação do solo e poluição do ar. Resultado da inércia do poder público e de ações humanas que impactam a vida dos moradores em diversas camadas, desde ansiedade climática, ou seja, o terror das consequências desses desastres, até a saúde dos moradores sendo diretamente prejudicada”. Esse comentário da diretora, Fabricia, dá o tom da motivação por trás da produção do filme.

Já a pesquisadora da Plataforma CIPÓ Gabrielle Alves de Paula explica: “O racismo ambiental é qualquer política, legislação ou prática que atue na reprodução segregada do espaço. Espaço é poder, espaço é acesso. Essa fragmentação excludente, que é fruto de um projeto, apesar de ser normalizada como efeito colateral do ‘progresso’, tem como consequência a oferta/omissão desigual de serviços e infraestruturas para populações historicamente vulnerabilizadas”.

Em breve, publicaremos a entrevista com Fabricia Stercia, diretora do filme, na íntegra.

Acompanhem. Essa luta é de todas e todos nós!

Fontes:

Climainfo

Sebrae

IBGE