Mapa Cultural da Rocinha: pesquisa realizada pelo Jornal Fala Roça
Por Kita Pedroza.
Enquanto, nos últimos quatro anos, o Brasil reduziu drasticamente o investimento em pesquisas e geração de dados, seguiu em sentido inverso o interesse de moradores de favelas e regiões ditas periféricas da cidade do Rio de Janeiro por conhecer cada vez mais os seus territórios. Com uma lente de aumento, olhamos para uma iniciativa nesse sentido, na Rocinha, favela localizada na zona sul do Rio de Janeiro.
Em janeiro de 2023, o Jornal Fala Roça, fundado e editado por jovens jornalistas e comunicadores e comunicadoras crias da favela da Rocinha, lançou a nova versão do Mapa Cultural da Rocinha. Resultado de extensa pesquisa feita na favela, o Mapa não só identificou cerca de 150 iniciativas culturais, de acordo com pontos de vista de pessoas moradoras, como é também um importante instrumento político para o reconhecimento da Rocinha – e dos seus habitantes – como pertencentes à cidade. Além do histórico de políticas públicas insuficientes nesses locais, os episódios de exclusão de favelas de mapas oficiais da cidade do Rio de Janeiro, que vêm acontecendo com certa frequência ao menos desde 2013, apontam para um apagamento também cartográfico das favelas e periferias cariocas. Outro ponto relevante é a possibilidade de reforçar a reivindicação de melhorias nos equipamentos culturais públicos locais.
Nas palavras de Michel Silva, cofundador e editor-chefe do jornal que está completando dez anos, “O projeto começou a ser pensado a partir de uma insatisfação com a retirada do termo favela do mapa do Google, a pedido da prefeitura do Rio de Janeiro, em 2013. Junto a isso, houve também o apagamento de áreas de favelas, substituídas por borrões brancos ou verdes em mapas digitais”. Em 2015, foi criada a primeira versão do Mapa, de forma mais intuitiva. “Com auxílio do celular, comecei a percorrer a Rocinha pra mapear essas iniciativas; muitos projetos identificados na primeira versão partem da visão de um morador mesmo. Nessa primeira versão, ainda não tinha uma discussão do que era cultura”, lembra. Em 2017, foi a vez de a Riotur apagar favelas dos mapas turísticos oficiais da cidade.
Lançada na Biblioteca Parque da Rocinha/C4, a nova versão Mapa Cultural registra cerca de 150 iniciativas culturais e, por ser uma plataforma colaborativa, está aberta à inclusão de novas iniciativas por moradores. Dessa vez, o Mapa foi fruto de um levantamento realizado durante um ano, com objetivo de dar visibilidade a estas atividades e contando apoio da Secretaria Municipal de Cultura, por meio do edital de Fomento à Cultura Carioca (FOCA). Entre os resultados da pesquisa, houve a constatação de que as mulheres estão à frente da maior parte das organizações culturais da favela e que a pandemia provocou maior oferta de iniciativas de reforço escolar.
Responsável pela gestão de projetos da Associação de Comunicação Fala Roça, Monique Silva vê o Mapa como uma iniciativa muito importante para o território e a cidade. “No território, porque é uma forma de dar visibilidade para os pontos culturais, já que a sua localização não é muito conhecida, claro, fora da Rocinha; mas muita gente da própria Rocinha não conhece esses pontos. Em primeiro lugar, queremos evidencia-los dentro do território mesmo. Mas também pode ser interessante para pessoas de fora que tenham interesse em conhecer ou apoiar algum projeto daqui, pra fortalecer. Tem uma possibilidade, lá na frente, de que isso vire uma rede de apoio desses projetos entre si, que de fato consiga fortalecer a cultura dentro da Rocinha”, conclui.
No evento de lançamento, em 14 de janeiro, Michel apresentou a pesquisa e houve uma mesa de conversa sobre ‘Desenvolvimento cultural e fomento nas favelas do RJ’, com Dione Prado (diretora teatral), Grécia Valente (produtora cultural), Leandro Castro (pesquisador e assistente social) e Ricardo Fernandes (diretor do Instituto Arteiros). Esteve presente, ainda, a secretária estadual de Cultura e Economia Criativa, Danielle Barros, além de moradores, representantes de organizações comunitárias e lideranças locais. Entre eles, Luiz Carlos Toledo, Maria Helena Carneiro, Roberto Lucena e Chica da Rocinha.
Além de destacarem a importância do Mapa Cultural, participantes da mesa e do público expressaram descontentamento com reivindicações, frequentemente não atendidas, relativas à instalação e manutenção de equipamentos culturais que, de fato, atendam ao conjunto da população local. Michel abriu o evento lembrando que as instalações da própria BPR nunca foram finalizadas: “Esse eco é porque, na verdade, falta acústica aqui nesse auditório”, salientou.
Na nova versão, uma equipe de nove pessoas realizou a pesquisa durante um ano. A metodologia foi desenvolvida, de forma coletiva, incluindo coleta e análise de dados, além de uma discussão, feita pelo grupo, relacionada ao conceito de cultura. As 25 categorias de atividades que constituem o Mapa Cultural da Rocinha fazem parte desse entendimento sobre cultura, abrangendo desde artes plásticas, cinema, circo, fotografia e teatro a carnaval, centro comunitário, educação, esporte e religião. Além de disponibilizar as localizações das iniciativas geográficas, o mapa apresenta alguns resultados das análises. Entre os principais estão:
– Mulheres coordenam a maioria das atividades culturais da Rocinha. Fenômeno antigo, que remete, por exemplo, ao “movimento das crecheiras” na favela;
– Sobre iniciativas de reforço escolar: a oferta significativa dessas atividades são resultado da pandemia da Covid-19. As crianças “ficaram em casa e as organizações culturais tiveram que absorver esse déficit educacional das escolas”.
– Moradias que viram sede: tornou-se comum pessoas fazerem dos espaços de casa, como as lajes, lugares de reforço escolar, de roda de capoeira, teatro etc.
– Ajuda humanitária: muitos projetos culturais passaram a oferecer cuidados, cestas básicas etc, “para suprir a demanda da fome na favela”. Muitas sem apoio financeiro. Segundo Michel, “esse impacto no território é imensurável, ou seja, o que a gente faz porque o governo não chega a fazer”.
*Com informações do Jornal Fala Roça