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O que são Territórios Negros?

nov
2022

Por Kita Pedroza.

Iniciado em 2021, o projeto Territórios Negros: Patrimônio e Educação na Pequena África começou a se concretizar quando a celebração do Dia da Consciência Negra, no Brasil, completava seu décimo ano – em 20 de novembro, data instituída por lei em 2011. Agora, em novembro de 2022, novamente momento de celebração de conquistas, mas também de reafirmação das lutas antirracistas, o projeto – fruto de parceria entre o Instituto 215, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Relações Raciais e Movimentos Sociais (NEGRAM /Ettern – IPPUR UFRJ) e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB) – acrescenta a sua contribuição para estas comemorações e enfrentamentos. Ou seja: após o término das atividades previstas (em junho), chega ao fim deste ano acumulando a criação de produtos variados em sua plataforma, além de três eventos presenciais de lançamento do livro homônimo. O último realizado recentemente, durante a XXVII Semana de Planejamento Urbano e Regional – 2022 (de 07 a 11/11), promovida pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Lançamento do livro Territórios Negros: Patrimônio e Educação na Pequena África no IPPUR em novembro de 2022. Fotos: @negram_ufrj

Mas o que são territórios negros? Quem ensina é Renato Emerson dos Santos, professor adjunto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com longa trajetória acadêmica em Geografia, já tendo se tornado referência na área. Coordenador do NEGRAM, possui graduação e doutorado em Geografia, é mestre em Planejamento Urbano e Regional e um dos principais idealizadores do projeto Territórios Negros, que dá nome ao seminário online realizado em 2021 e também ao livro – organizado pelo professor, por Teresa Guilhon, Desirree Reis e Luis Araújo – que constitui um de seus desdobramentos.

As pesquisas do NEGRAM abrangem professores, estudantes e pesquisadores envolvidos na produção coletiva e comprometida de conhecimento e “tem como eixo principal de interlocução a luta antirracista do Movimento Negro”, conforme o texto de apresentação do Núcleo de Estudos no livro Territórios Negros.  O envolvimento de Renato com o universo das lutas do povo negro começou cedo, no convívio com o pai, intelectual, integrante do movimento negro. Foi também tomando gosto pela Geografia já no 2º grau (antigo ensino médio), quando se tornou explicador da disciplina. Pouco depois de se formar, tornou-se coordenador do Pré-Vestibular para Negros e Carentes – Núcleo Rocinha; ao mesmo tempo, iniciou a carreira como professor universitário, passando pela UERJ (2002 a 2018) e UFRJ (a partir de 2018).

Para saber mais sobre a conceituação de territórios negros e, especialmente, suas vinculações com a região da Pequena África, na área central do Rio de Janeiro, consulte a versão digital do livro Territórios Negros: Patrimônio e Educação na Pequena África, que pode ser baixada aqui. A obra traz as contribuições de 21 autores para os eixos temáticos: Museus de
território(s) negro(s); Patrimônios negros no Brasil e no mundo; Território e ação na Pequena África; Arquitetura e patrimônios negros na Pequena África; e Branqueamento do território e disputas de lugar na Pequena África.

Entrevista | Renato Emerson dos Santos

Qual é o significado de “Territórios Negros”, do seu ponto de vista?

Eu venho defendendo a ideia de que o Movimento Negro vem construindo a Pequena África como um território negro. Território não no sentido de uma área sob possessão exclusiva ou domínio, mas como suporte simbólico à identidade. Isso através de um conjunto de políticas de memória. Essas políticas de memória do Movimento Negro misturam momentos históricos diferentes: a Pequena África do Movimento Negro no século XXI não é a área assim denominada um século antes por Heitor dos Prazeres. A Pequena África contemporânea mistura o Cais do Valongo (fechado na década de 1840) com a Tia Ciata (que chega ao Rio no final daquele século), o cemitério dos Pretos Novos, que hoje é o Instituto dos Pretos Novos, com o cemitério dos Pretos Novos da Igreja de Santa Rita; junta as irmandades negras e suas igrejas como a do Rosário de São Benedito e mesmo a já inexistente de São Domingos, com o Afoxé Filhos de Gandhi e a Vizinha Faladeira. São memórias da existência e da re-existência negra, que envolve o sofrimento com o sequestro, tráfico humano e a escravização, mas também as lutas (como a de Prata Preta na Revolta da Vacina) e as criações negras, como o samba, e as sociabilidades negras como os zungús. A Pequena África, misturando tempos e espaços diferentes (da Zona Portuária à Praça Onze), sintetiza tudo isso, por isso ela é um território negro de valor simbólico imensurável.

Como foi a experiência de participação no projeto Territórios Negros?

Eu diria que foi e está sendo (porque acredito em continuidade) uma ótima experiência, de aprendizados e construções. O projeto nasce de parcerias que já existiam, entre pessoas que já atuavam na região da Pequena África, e também de um edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – ou seja, voltado para essa categoria profissional. Assim, eu que sou geógrafo me aproximei mais dos debates sobre urbanismo e patrimônio. Ao mesmo tempo, por se tratar de uma área que vem sendo disputada pelo Movimento Negro, o projeto também ficou marcado pela multivocalidade desse campo de lutas sociais: agentes locais, representantes institucionais, mostrando diversos repertórios da luta antirracismo. Isso fez emergir patrimônios materiais (como o Cais do Valongo, o cemitério dos Pretos Novos e a Pedra do Sal) e imateriais (como os ativismos de grupos de samba, candomblé e também comunitários como do Morro da Providência ou o Quilombo da Pedra do Sal), mostrando a riqueza do tecido social e cultural da região. O projeto nos ofereceu essa riqueza.

O projeto Territórios Negros disponibilizou uma série de produções, de forma pública e gratuita, difundindo saberes abordados pelo conjunto de participantes. Além do seminário inicial, há o canal de vídeos – incluindo um entrevistas com tradução em libras – e o livro, nos formatos digital e físico. Todos reunidos na plataforma online. Na sua opinião, qual é a importância desses desdobramentos do projeto?

Creio que esses produtos perenizam o projeto, impulsionam desdobramentos que nós nem vamos ter conhecimento. Os vídeos, o livro, o site que tem uma lista de referências de literatura sobre a Pequena África, tudo isso serve de fonte para pesquisas, para usos escolares, para pensar, propor e executar políticas públicas. Formam um belo conjunto, um repositório de informações que podem ser utilizadas em fins diversos: um guia que faça circuitos na região pode fortalecer sua formação por eles, um arquiteto que vá projetar uma construção pode ter neles fontes de inspiração para um desenho culturalmente referenciado, militantes da luta antirracismo podem neles ampliar acervos de informação, enfim… Muitos usos e desdobramentos são possíveis a partir desses resultados do projeto.

 

Foto/capa: Lançamento do livro Territórios Negros: Patrimônio e Educação na Pequena África no MUHCAB, em 07 de junho de 2022. Foto: Kita Pedroza (@kitapedroza)