Periferias brasileiras em prol da justiça climática e do combate à fome na Amazônia
Belém: sede dos eventos Diálogos Amazônicos e Cúpula Amazônica, em agosto de 2023. Fotos Kita Pedroza
Por Maria Clara Salvador
No dia 05 de setembro, é comemorado o dia da Amazônia e vale lembrar que há um mês (de 04 a 09 de agosto) ocorreram os eventos Diálogos Amazônicos e Cúpula Amazônica, espaços de discussão que reuniram em Belém (PA) ativistas, ambientalistas, sociedade civil, governos, organizações de várias partes do Brasil e dos países amazônicos – localizados na bacia hidrográfica do Rio Amazonas. Incluídos na programação da Cúpula Amazônica, os Diálogos pretenderam, entre os diversos temas abordados, trocar metodologias, tecnologias e conhecimento para atenuar a crise climática e construir ferramentas para o combate ao racismo ambiental e à fome presente nos territórios que compõem a floresta amazônica.
Belém: sede dos eventos Diálogos Amazônicos e Cúpula Amazônica, em 2023.
Coalizão O Clima é de Mudança nos Diálogos Amazônicos: intercâmbios entre periferias, populações tradicionais, indígenas e quilombolas
As organizações que compõem a coalizão O Clima é de Mudança – Agenda Realengo 2030, DataLabe, LabJaca, Plataforma CIPÓ e Visão Coop – participaram dos Diálogos Amazônicos, que teve como objetivo fomentar um imaginário econômico, político, ambiental, sustentável e socialmente justo para a Amazônia. Este grupo, que desenvolve ações variadas de pesquisa e incidência política, esteve também na COP 27, em 2022, no Egito. Portanto, essa foi a sua segunda participação em eventos globais em torno dos desafios ambientais e da justiça climática.
Coalizão O Clima é de Mudança nos Diálogos Amazônicos: intercâmbios de saberes e práticas. Foto: Acervo/Coalizão O Clima é de Mudança
A partir da sua experiência de atuação em regiões de favelas e periferias brasileiras, a coalizão compreende as comunidades negras, indígenas, ribeirinhas e quilombolas como povos submetidos diretamente à degradação ambiental e constantemente expostos a situações de vulnerabilidade. E defende que a pauta climática precisa ser, sobretudo, uma agenda de desenvolvimento para essas populações.
Integrantes do grupo atuaram na produção e mobilização de instituições da sociedade civil e representantes do poder público, na composição de mesas e construção de relatorias para incidir politicamente em diversas temáticas relacionadas ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Algumas delas foram: A nova economia, o Programa de Aceleração do Crescimento frente à emergência climática com alternativas para o saneamento básico, habitação e transporte para a região.
A Cúpula da Amazônia: objetivos grandiosos, resultados incertos
Belém: sede dos eventos Diálogos Amazônicos e Cúpula Amazônica, em 2023.
A Cúpula Amazônica, voltada para os oito países amazônicos – Bolívia, Venezuela, Colômbia, Brasil, Equador, Peru, Guiana e Suriname -, teve o intuito de buscar implementar ações a partir dos temas debatidos nos Diálogos Amazônicos.
A proposta principal para a Cúpula foi revisar a Agenda de Cooperação Estratégica Amazônica (AECA) e o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). O TCA foi criado em 1978, mas em 1995 se tornou a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reúne os mais diversos territórios dos países amazônicos. Com objetivo principal de criar alinhamento para o desenvolvimento da região amazônica, a OTCA é regida pela AECA, que, por sua vez, não possuía atualização há mais de 10 anos.
Para além de siglas e tratados, vale ressaltar que a Amazônia brasileira é, atualmente, a região do país que tem os maiores níveis de insegurança alimentar, segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), da Food and Agriculture Organization (FAO) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSAN). A Cúpula da Amazônia terminou com resultados relevantes na agenda de combate à fome, como a construção de um paralelo entre a agenda climática e o combate às desigualdades sociais, mas a declaração apresentada no final do encontro não produziu nenhum tipo de obrigação e acordo a esse respeito.
Contribuíram para esse desfecho da “Declaração de Belém” fatores como a tarefa, nada fácil, de organizar uma cooperação regional entre os oito membros da OTCA e que depende diretamente dos países que ensaiaram uma liderança e protagonismo neste processo – Brasil e Colômbia. Além disto, o tratamento da insegurança alimentar e nutricional na Amazônia ainda está no começo, pois não existem dados atualizados de todos os países amazônicos.
Mas há o que se comemorar: abriu-se a possibilidade de impulsionar estratégias nas negociações climáticas globais para a formação de uma união entre os países amazônicos, frente ao desafio da preservação da floresta amazônica. Entre os principais entraves, há a necessidade de encontrar atividades econômicas efetivamente sustentáveis e afastar a ideia, que necessita ser debatida, de uma Amazônia intocável. No que diz respeito ao combate à fome, existem alternativas criativas e esperançosas, como a participação de comunidades ribeirinhas e quilombolas em planos de inclusão produtiva e empregabilidade verde, com o papel de fazer parte da construção do seu próprio desenvolvimento sustentável.
Maria Clara Salvador é pesquisadora pela Visão Coop e uma das representantes da Agenda Queimados 2030. Atua como ativista climática, palestrante, escritora e coordenadora de projetos. É gestora de projetos e operações no Instituto 215. Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde é pesquisadora no laboratório Contra Grupo: estudos de genealogia do cânone filosófico – projeto de pesquisa Resistências Invisíveis. Esteve na Conferência das Partes de 2022 em Sharm El Sheikh, no Egito (COP27), nos Diálogos Amazônicos e na Cúpula Amazônica, em 2023, como ativista e representante da Coalizão O Clima é de Mudança.
Fotos: @kitapedroza
Fontes consultadas:
Ministério das Relações Exteriores
The Food and Agriculture Organization (FAO)