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Territórios Negros: um projeto, múltiplas vozes e conteúdos

ago
2022

Por Kita Pedroza.

Nas últimas décadas, houve avanços no reconhecimento das pessoas negras como protagonistas da produção de conhecimento e como narradoras das próprias histórias – matrizes da cultura afro-brasileira. Mas essa é “uma luta inacabada, de muitas vitórias e muito a se conquistar”, dizem os organizadores da publicação ‘Territórios Negros: patrimônio educação na Pequena África’ – Renato Emerson, Teresa Guilhon, Desirree Reis e Luís Araújo – em sua apresentação. A versão digital do livro, com textos de 21 autoras e autores, está disponível gratuitamente na plataforma Territórios Negros, junto com outras formas de conteúdo que vêm sendo geradas no âmbito do projeto Territórios Negros. Para alcançar novas vitórias, é preciso expandir o conhecimento e o alcance dessas vozes, multiplicando-as também em espaços de educação e pesquisa, conforme também enfatizam os organizadores.

Iniciado em 2021 e seguindo o seu curso, o projeto TN também é resultado dessa luta. Por meio do conjunto de suas produções, vem ampliando o acesso a debates relacionados à região da Pequena África, no Centro do Rio de Janeiro, reconhecida como espaço fundamental de memórias da cultura afro-brasileira e de reconstituição da participação negra na história da cidade. Além de realizar um seminário online – que deu origem ao livro –, disponibiliza um canal de vídeos no Youtube, contendo o registro do evento na íntegra e vídeos educativos em que os autores falam sobre temas abordados no seminário, de maneira acessível e coloquial.

Essas produções estão reunidas na página do projeto na internet, que ganhou, recentemente, uma versão dos vídeos com tradução em Libras. A versão impressa do livro está sendo destinada a bibliotecas, escolas e outras instituições públicas e culturais. O ponto de partida foi o seminário, que reuniu ativistas do Movimento Negro e da comunidade acadêmica, grupos de pesquisa e estudantes, junto a moradores locais e atores da sociedade civil organizada. Em torno de 200 pessoas participaram dos painéis pela internet, em meio à pandemia da Covid-19. Os palestrantes foram convidados a participar do livro. Fora poucas exceções, os (as) participantes do seminário são também autores (as) do livro.

Renato Emerson, geógrafo, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Relações Raciais e Movimentos Sociais (NEGRAM/Ettern – IPPUR/UFRJ), foi um dos idealizadores do projeto, além de participar do seminário e do livro. Ele destaca a importância dos itens gerados: além de ajudar a difundir temas discutidos por convidados do seminário e autores do livro, os suportes de circulação e registro oferecidos contribuem para tornar perenes seus conteúdos.

Em suas palavras: “Esses produtos perenizam o projeto, impulsionam desdobramentos que nós nem vamos ter conhecimento. Os vídeos, o livro, o site – que tem uma lista de referências de literatura sobre a Pequena África -, tudo isso serve de fonte para pesquisas, para usos escolares, para pensar, propor e executar políticas públicas. Formam um belo conjunto, um repositório de informações que podem ser utilizadas em fins diversos: um guia que faça circuitos na região pode fortalecer sua formação por eles, um arquiteto que vá projetar uma construção pode ter neles fontes de inspiração para um desenho culturalmente referenciado, militantes da luta antirracismo podem neles ampliar acervos de informação, enfim. Muitos usos e desdobramentos são possíveis a partir desses resultados do projeto”.

Sobre a experiência de participação no Territórios Negros, o professor destaca que foi, e está sendo, uma ótima experiência, de aprendizados e construções. Além disso, pontua que o projeto nasceu de parcerias já existentes, entre pessoas que já atuavam na região da Pequena África, e também de um edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ). O fomento do CAU à iniciativa proporcionou maior aproximação de Renato com debates sobre urbanismo e patrimônio. E chama atenção para a pluralidade de vozes envolvidas: “Ao mesmo tempo, por se tratar de uma área que vem sendo disputada pelo Movimento Negro, o projeto também ficou marcado pela multivocalidade desse campo de lutas sociais: agentes locais, representantes institucionais, mostrando diversos repertórios da luta do antirracismo. Isso fez emergir patrimônios materiais (como o Cais do Valongo, o cemitério dos Pretos Novos e a Pedra do Sal) e imateriais (como os ativismos de grupos de samba, candomblé e também comunitários, como os do Morro da Providência ou o Quilombo da Pedra do Sal), mostrando a riqueza do tecido social e cultural da região. O projeto nos ofereceu essa riqueza”, conclui.

Já Cristina Lodi, arquiteta, que foi diretora do projeto de cooperação internacional Gestão Compartilhada do Cais do Valongo e Museu de Território (MUHCAB), entende que “o livro reúne e compartilha com mais pessoas os conteúdos que foram abordados em um seminário tão importante. Esse conteúdo, acessível no livro e online, multiplica não só conhecimentos, mas os insights e as pesquisas que estão sendo realizadas”. Também participante do seminário e do livro Territórios Negros, Cristina enfatiza a importância da plataforma online: “O site é fundamental para que seja útil e se perpetue para o maior número de pessoas possível – pesquisadores, pessoas ligadas à memória da Pequena África e à memória do movimento negro”.

O Instituto 215 celebra a possibilidade de disponibilizar os produtos do projeto: “Os ecos da realização do seminário virtual Territórios Negros: Patrimônio e Educação na Pequena África foram tão fortes que tornaram natural a iniciativa de elaborar e desenvolver, coletiva e colaborativamente, os caminhos para que todas as vozes que participaram dessa empreitada educativa e democrática, pudessem ser ouvidas, lidas e divulgadas, e assim chegassem ao maior número possível de interessados”, afirmam as diretoras, Teresa Guilhon, Ilana Strozenberg e Kita Pedroza, na abertura do livro. Teresa Guilhon é uma das coordenadoras do TN.

Concretizado por meio de uma parceria entre o Instituto 215, o NEGRAM e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), o projeto teve financiamento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro e da Fundação Ford (por meio de parceria com a FLUP). O livro foi lançado no MUHCAB e, em 31/08, ganhará novo lançamento no CAU/RJ – aberto ao público.

Foto/capa: Cais do Valongo, situado na região da Pequena África, no Centro do Rio de Janeiro (2019). Crédito: Kita Pedroza